quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O TEATRO, CARENTE DO COMPROMETIMENTO DO ATOR

por Tonico Lacerda Cruz

Um assunto tem sido cada vez mais comumente abordado por diretores teatrais em conversas rápidas nos teatros, em reuniões ou mesmo nas páginas sociais da internet – a falta de responsabilidade e de comprometimento por parte de alguns artistas.

Aproveitando o modismo midiático dos jovens
Isso, apesar de ser muito mais comum no meio artístico, não é uma exclusividade da nossa classe; é uma característica da geração jovem de hoje – a geração sem compromisso.

No fundo, é também um reflexo da "educação" recebida pelos jovens nas famílias e nas escolas. É fruto da falta de compromisso de muitos professores para com o conhecimento "conectado" ou "dialetizado" com o mundo real. O abstracionismo professoral ainda é predominante nas escolas e universidades, levando o aluno ao desinteresse, à apatia, à desconfiança, à fuga do assunto ou alienação. (Não é raro presenciarmos alunos comentando que o seu professor em vez de verdadeiramente ensinar, doutrina uma teoria como se fosse uma fé religiosa; ou “viaja na maionese” quando fala na sua tese, que, não se encaixa no programa do curso).

A geração "sem compromisso" convive com os acontecimentos como se fossem espetáculo, entretenimento, e, como eles mesmos dizem, “não estão nem aí para as consequências de suas atitudes (ou a falta delas)”.

O celular é um dos vilões desta geração. A geração "sem compromisso", apenas demonstra compromisso com suas mensagens de texto, enviadas ou respondidas imediatamente, em qualquer local, em qualquer circunstância, numa absoluta demonstração de má educação e, novamente, falta de compromisso com a vida real.

Mas analisar a geração "sem compromisso", como um todo, implicaria irmos mais a fundo e buscarmos as inúmeras causas, entre elas: a desorganização da família, a crescente desresponsabilização dos pais na educação, as instituições ditas "de ensino", que pretendem "educar" e terminam não fazendo nem uma coisa nem outra. (Não raro, estas instituições usam truques pedagógicos sustentados por argumentos de autoridade do momento (antes era Piaget, agora é a vez de Vygotsky), apenas para ter uma roupagem de vanguarda.)

Todavia, se isso acontece genericamente com os jovens, NÃO PODE ACONTECER COM O ARTISTA (seja ele jovem ou não), por uma razão muito simples: SEU OFÍCIO EXIGE COMPROMETIMENTO, por ser um ofício eminentemente coletivo que, ao contrário do trabalho do escritor ou do pintor, faz parte de um processo de criação coletiva. E é por isso que as gerações não param de se interpenetrar no teatro e levam à cobrança recíproca de posturas mais responsáveis e comprometidas com os projetos e os grupos.

Inicialmente, o ator deve pressupor em si comprometimento com a arte e a cultura. Não há ator onde não haja um profissional culto, participativo, solidário e crítico sobre o meio que está ligado. No Brasil, o ator só quer ir ao teatro se for para estar no palco, mesmo sabendo que ser plateia é imensamente enriquecedor para seu ofício.

O outro nível de comprometimento é exatamente com as opções que o ator faz em relação a projetos e grupos. Ora, opções representam, naturalmente, perdas. Não há como optar por tudo (aí não é opção). Mas o ator jovem (às vezes, com talento promissor), como não tem comprometimento, acaba sendo atraído por “trabalhos” imediatistas, de qualidade duvidosa, mal sabendo que o trem da história está passando à sua frente e ele prefere pegar outro trem mais confortável – aquele que tem pouco trabalho e muitas luzes. Carreira? Esvaindo-se...

Onde inexiste o ator culto, comprometido e com excelência técnica, há um teatro que copia a si próprio, repetidamente, padronizado por estéticas enlatadas, estático. Há uma fórmula teatral viciada, um mercantilismo oportunista que transforma a arte num produto de prateleiras de supermercado de elites. Há um teatro pobre de idéias. Há a própria superficialidade.

Por isso, o teatro carece cada vez mais de atores éticos e que busquem permanentemente excelência técnica; que assumam com determinação suas escolhas e opções; que desenvolvam suas responsabilidades com prazer e iniciativa, levados pela vontade de crescimento e cientes do retorno ao investimento pessoal que fazem.

Finalizando o pensamento, cito trecho da “Carta ao ator D", de Eugênio Barba:

“A segunda tendência que vejo em você é o temor de levar em consideração a seriedade deste trabalho: sente uma espécie de necessidade de rir, de distrair-se, de comentar humoristicamente o que você e seus companheiros fazem. É como se quisessem fugir da responsabilidade que sente, inerente à sua profissão, e que consiste em estabelecer uma relação e em assumir a responsabilidade do que revela. 

Você tem medo da seriedade deste trabalho, da consciência de estar no limite do que é permitido. Tem medo de que tudo aquilo que faz seja sinônimo de fanatismo, de aborrecimento, de isolamento profissional. 

Porém, num mundo em que os homens que nos rodeiam já não acreditam em mais nada ou pretendem acreditar para ficarem tranqüilos, aquele que se afunda em si mesmo para enfrentar a sua condição, a sua falta de certezas, a sua necessidade de vida espiritual, é tomado por um fanático e por um ingênuo. Num mundo, cuja norma é o enganar, aquele que procura "sua" verdade é tomado por hipócrita.”

Quanto aos atores comprometidos, sérios, éticos, solidários e que buscam excelência no seu ofício, através da capacitação permanente, mais do que valorizar e reconhecer, nós, diretores, temos que render-lhes homenagem, por vivenciarem o teatro de verdade. Aplaudi-los de pé, quando chegam pontualmente para os ensaios, quando tomam a iniciativa de arrumar o espaço a ser utilizado, quando trazem propostas – frutos de pesquisas pessoais, quando compartilham informações, quando se oferecem para ajudar ao outro e, quando, no final do projeto, brilham nos palcos, como se fossem mais resplandecentes que as luzes da ribalta. A estes, os meus agradecimentos e efusivos aplausos!

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