Alguns textos teatrais têm a lição de vida dos evangelhos, e, por isso, poderiam ser incluídos em um "livro sagrado do ator". O texto abaixo é um destes:
O MELHOR DE MIM (De "Viva a ópera!" / 2003)
(de Carl Schumacher)
"Não se pode precisar porque se ama a Arte.
Ama-se e pronto.
Isso vem definitivo como uma maldição... ou uma bênção.
É preciso se expor, se dar, se fazer lágrima ou sorriso na vida do outro. E isso é só o que se sabe. É tudo o que se sente.
Fazer os outros felizes: é o que nos alimenta, nos sustenta, nos mantêm vivos.
Através de nossos gestos, de nossos versos, queremos curar os que choram e elevar os que ignoram.
Representamos, fingimos, brincamos o faz-de-conta e assim nem percebemos a solidão, as dívidas, os vírus, a idade, a dor.
Não temos tempo de sofrer, pois que nossa missão é Não-Ser. Porque para o público dizemos, criamos, cantamos, dançamos, tocamos, sentimos o que ELE quer ver e ouvir.
Para despertar nele a catarse e banir de sua vida as emoções malsãs, nos anulamos em excelsa doação.
Somos os portadores da esperança, o paliativo das almas enfermas, a panacéia dos aflitos, os mensageiros da alegria.
Nosso céu estrelado pode ser a abóbada iluminada de um grande teatro ou a lona de um circo. Nosso leito de amor as tábuas corridas de um grande palco ou a serragem suada do picadeiro. Nossa única razão de ser o público.
Por ele nos transmutamos em personagens que, por mais humildes, sempre vencem os poderosos. Heróis que sempre derrotam os vilões, os puros de coração, os que sabem perdoar. Ou tudo ao contrário, nem nos importa.
E nos esmeramos na busca do verso mais claro, da rima mais preciosa, do gesto mais rebuscado, da nota mais afinada. Nos esquecemos na busca do melhor traje, do melhor traço, do olhar mais agudo, do tom mais sublime. Isso nos desconcerta e nos domina, nos descontrola mas nos impulsiona.
Quando o aplauso não vem, o Artista amaldiçoa sua profissão e rasga a sua fantasia e chora e pragueja e jura o abandono da ribalta. Mas por mais que fuja, o sonho lhe corre atrás e sempre o alcança e o derruba e o vence.
E, às vezes em carne viva, em frangalhos e feridas, cicatrizes e tropeços, o Artista ergue-se trôpego ante a primeira inspiração boba que passa na brisa e vai outra vez mergulhar de cabeça na expectativa de fazer sorrir alguém. De fazer sonhar e amenizar as dores do mundo.
E assim, entre glórias efêmeras e cumprimentos difusos, o Artista vive.
E, do fundo de seu peito, um grito ecoa para toda a gente:
Me dêem oportunidade para que eu possa lhes dar
o melhor de mim!"
(Carl Schumacher, "O melhor de mim", de "Viva a Ópera!" / 2003)
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